A uns que confiavam em si mesmos, crendo que
eram justos, e desprezavam os outros, dirigiu Cristo a parábola do fariseu e do
publicano. O fariseu sobe ao templo para adorar, não porque sente ser pecador
necessitado de perdão, mas por julgar-se justo e esperar obter elogio.
Considera sua adoração um ato meritório que o recomendará a Deus.
Simultaneamente dará ao povo uma demonstração elevada de sua piedade. Esperava
assegurar-se o favor de Deus e dos homens. Sua adoração é motivada pelo
interesse próprio.
Está cheio de louvor
próprio. Isto é evidente em seu olhar, porte e oração. Apartando-se dos outros,
como se quisesse dizer: "Não vos chegueis a mim, porque sou mais santo do
que vós", põe de pé e ora "consigo". Isa. 65:5. Todo satisfeito
consigo mesmo, pensa que Deus e os homens o consideram com igual complacência.
"Ó Deus, graças Te
dou", disse, "porque não sou como os demais homens, roubadores,
injustos e adúlteros; nem ainda como este publicano." Lucas 18:11.
Julga seu caráter, não pelo caráter santo de
Deus, mas pelo caráter de outros homens. Seu espírito desvia-se de Deus para a
humanidade. Este é o segredo de sua satisfação própria.
Prossegue enumerando
suas boas ações: "Jejuo duas vezes na semana e dou os dízimos de tudo
quanto possuo." Lucas 18:12. A religião do fariseu não toca a pessoa. Não
atenta para o caráter semelhante ao de Deus, nem para o coração cheio de amor e
misericórdia. Dá-se por contente com uma religião que só se refere à vida
exterior. Sua justiça lhe é própria - é o fruto de suas próprias obras. E é
julgada por um padrão humano.
Todo aquele que em si
mesmo confia que é justo, desprezará os demais. Como o fariseu, julga a si
próprio por outros homens, julga aos outros por si. Sua justiça é avaliada pela
deles, e quanto piores, tanto mais justo parece ele. Sua justiça própria leva-o
a acusar. "Os demais homens", condena ele como transgressores da lei
de Deus. Deste modo manifesta o próprio espírito de Satanás, o acusador dos
irmãos. Impossível lhe é neste espírito entrar em comunhão com Deus. Volta para
sua casa destituído da bênção divina.
O publicano entrou no
templo juntamente com outros adoradores, mas, como se fosse indigno de tomar
parte na devoção, apartou-se logo deles. "Estando em pé, de longe, nem
ainda queria levantar os olhos ao céu, mas batia no peito", em profunda
angústia e aversão própria. Sentia que transgredira a lei de Deus e era pecador
e poluído. Não podia esperar nem mesmo piedade dos circunstantes; porque todos
o observavam com desprezo. Sabia que em si não tinha méritos para recomendá-lo
a Deus, e em absoluto desespero, clamou: "Ó Deus, tem misericórdia de mim,
pecador!" Lucas 18:13. Não se comparou com outros.
Esmagado por um senso de culpa, estava como que
só, na presença de Deus. Seu único desejo era alcançar paz e perdão; sua única
súplica, a bênção de Deus. E foi abençoado. "Digo-vos", disse Cristo,
"que este desceu justificado para sua casa, e não aquele." Lucas
18:14.
O fariseu e o publicano
representam os dois grandes grupos em que se dividem os adoradores de Deus.
Seus primeiros representantes encontram-se nos dois primeiros filhos nascidos
neste mundo. Caim julgava-se justo, e foi a Deus com uma simples oferta de
gratidão. Não fez confissão de pecado, nem reconheceu que carecia de
misericórdia. Abel, porém, foi com o sangue que apontava ao Cordeiro de Deus.
Foi como pecador que confessava estar perdido; sua única esperança era o
imerecido amor de Deus. O Senhor Se agradou de seu sacrifício, mas de Caim e de
sua oferta não Se agradou. A intuição de necessidade, o reconhecimento de nossa
pobreza e pecado, é a primeira condição para sermos aceitos por Deus.
"Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos
Céus." Matheus 5:3.
Para cada um dos grupos
representados pelo fariseu e o publicano, há uma lição na história do apóstolo
Pedro. Na primeira parte de seu discipulado, Pedro tinha-se por forte.
Semelhante ao fariseu, não era a seus olhos "como os demais homens". Lucas
18:11. Quando Cristo, na noite em que foi traído, preveniu Seus discípulos:
"Todos vós esta noite vos escandalizareis em Mim", Pedro retrucou
confiantemente: "Ainda que todos se escandalizem, nunca, porém, eu."
Marcos 14:27 e 29. Pedro não conhecia o perigo que o ameaçava. A confiança
própria enganou-o. Julgou-se capaz de resistir à tentação; mas poucas horas
depois veio a prova e, com blasfêmia e perjúrio, negou seu Senhor.
Quando o cantar do galo
lhe lembrou as palavras de Cristo, surpreso e atônito pelo que acabava de
fazer, voltou-se e olhou a seu Mestre. Simultaneamente Cristo olhou a Pedro e
sob aquele olhar aflito em que se misturavam amor e compaixão por ele, Pedro
conheceu-se. Saiu e chorou amargamente. Aquele olhar de Cristo lhe partiu o
coração. Pedro chegara ao ponto decisivo, e amargamente se arrependeu de seu
pecado. Foi como o publicano em sua contrição e arrependimento, e como o
publicano achou também graça. O olhar de Cristo lhe assegurou o perdão.
Findou aí sua confiança própria. Nunca mais
foram repetidas as velhas afirmações de auto-suficiência.
Depois da ressurreição, três vezes provou Cristo
a Pedro. "Simão, filho de Jonas", disse, "amas-Me mais do que
estes?" João 21:15. Pedro agora não se exaltou sobre os irmãos. Apelou
Àquele que podia ler o coração. "Senhor", respondeu, "Tu sabes
tudo; Tu sabes que eu Te amo." João 21:17.
Recebeu então Sua
incumbência. Foi-lhe apontada uma obra mais ampla e mais delicada que antes.
Cristo lhe ordenou apascentar as ovelhas e os cordeiros. Confiando-lhe ao
cuidado as pessoas pelas quais o Salvador depusera a vida, deu Cristo a Pedro a
maior prova de estar convencido de sua reabilitação. O discípulo outrora
inquieto, orgulhoso, confiante em si mesmo, tornara-se submisso e contrito.
Desde então, seguiu o seu Senhor em abnegação e sacrifício próprio. Era
participante dos sofrimentos de Cristo; e quanto Ele Se assentar no trono de
Sua glória, Pedro será um participante da mesma.
O mesmo mal que levou Pedro à queda e excluiu da
comunhão com Deus o fariseu, torna-se hoje a ruína de milhares. Nada é tão
ofensivo a Deus nem tão perigoso para o espírito humano como o orgulho e a
presunção. De todos os pecados é o que menos esperança incute, e o mais
irremediável.
A queda de Pedro não foi repentina, mas gradual.
A confiança em si mesmo induziu-o à crença de que estava salvo, e desceu passo
a passo o caminho descendente até negar a Seu Mestre. Jamais podemos confiar
seguramente em nós mesmos ou sentir, aquém do Céu, que estamos livres da
tentação. Nunca se deve ensinar aos que aceitam o Salvador, conquanto sincera
sua conversão, que digam ou sintam que estão salvos. Isso é enganoso. Deve-se
ensinar cada pessoa a acariciar esperança e fé; mas, mesmo quando nos
entregamos a Cristo e sabemos que Ele nos aceita não estamos fora do alcance da
tentação. A Palavra de Deus declara: "Muitos serão purificados, e embranquecidos,
e provados." Daniel 12:10. Só aquele que "sofre a tentação...
receberá a coroa da vida". Tiago 1:12.
Os que aceitam a Cristo e dizem em sua primeira
confiança: "Estou salvo!" estão em perigo de depositar confiança em
si mesmos. Perdem de vista a sua fraqueza e necessidade constante do poder
divino. Estão desapercebidos para as ciladas de Satanás, e quando tentados,
muitos, como Pedro, caem nas profundezas do pecado. Somos advertidos:
"Aquele, pois, que cuida estar em pé, olhe que não caia." I Coríntios
10:12. Nossa única segurança está na constante desconfiança de nós mesmos e na
confiança em Cristo.
Era necessário que Pedro
conhecesse seus próprios defeitos de caráter e a necessidade de receber de
Cristo poder e graça. O Senhor não podia livrá-lo da tentação, mas sim salvá-lo
da derrota. Estivesse Pedro disposto a aceitar a advertência de Cristo, teria
vigiado em oração. Teria andado com temor e tremor para que seus pés não
tropeçassem. E teria recebido auxílio divino, de modo que Satanás não teria
alcançado a vitória.
Foi pela presunção que
Pedro caiu; e por arrependimento e humilhação seus pés foram firmados
novamente. No relatório de sua experiência todo pecador penitente pode achar
encorajamento. Embora Pedro tivesse pecado gravemente, não foi abandonado. As
palavras de Cristo: "Roguei por ti, para que a tua fé não desfaleça",
estavam-lhe escritas no mais íntimo do ser. Lucas 22:32. Em sua amarga agonia
de remorso, esta oração e a lembrança do terno e misericordioso olhar de
Cristo, deram-lhe esperança. Depois da ressurreição, lembrou-se Cristo de Pedro
e deu ao anjo a mensagem para as mulheres: "Ide, dizei a Seus discípulos e
a Pedro que Ele vai adiante de vós para a Galiléia; ali O vereis." Marcos
16:7. O arrependimento de Pedro foi aceito pelo Salvador compassivo.
E a mesma compaixão manifestada para salvar a
Pedro é oferecida a todo indivíduo que caiu em tentação. É o ardil especial de
Satanás levar o homem ao pecado e, então, deixá-lo desamparado e tremente,
receando suplicar perdão. Por que devemos temer, se Deus disse: "Que se
apodere da Minha força e faça paz comigo; sim, que faça paz comigo."?
Isaías 27:5. Foram tomadas todas as providências para nossas fraquezas e
oferecido todo encorajamento para nos chegarmos a Cristo.
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