A verdade da livre graça de Deus fora quase perdida de vista pelos
judeus. Os rabinos ensinavam que o favor de Deus devia ser alcançado por
merecimento. Esperavam ganhar pelas próprias obras o galardão dos justos. Por
isto seu culto todo era induzido por um espírito ávido e mercenário. Até os
discípulos de Cristo não estavam totalmente livres deste espírito, e o Salvador
aproveitava toda oportunidade para mostrar-lhes seu erro. Justamente antes de
dar a parábola dos trabalhadores ocorreu um evento que Lhe ofereceu a
oportunidade para apresentar os justos princípios.
Indo Seu caminho, um
jovem príncipe correu-Lhe ao encontro e, ajoelhando-se, saudou-O
reverentemente. "Bom Mestre", disse, "que bem farei, para
conseguir a vida eterna?" Matheus 19:16.
O príncipe dirigiu-se a
Cristo meramente como a um rabino honrado, não reconhecendo nEle o Filho de
Deus. O Salvador disse: "Por que Me chamas bom? Não há bom, senão um só
que é Deus." Matheus 19:17. Em que sentido Me chamas bom? Deus unicamente
é bom. Se Me reconheces como tal, precisas receber-Me como Seu Filho e
representante.
"Se queres, porém, entrar na vida", acrescentou,
"guarda os mandamentos." Matheus 19:17. O caráter de Deus é expresso
em Sua lei; e se queres estar em harmonia com Deus, os princípios de Sua lei
devem ser o motivo de todas as tuas ações.
Cristo não diminui as
exigências da lei. Em linguagem inconfundível apresenta a obediência a ela como
condição da vida eterna - a mesma condição requerida de Adão antes da queda. O
Senhor não espera agora menos de nós, do que esperava do homem no Paraíso,
obediência perfeita, justiça irrepreensível. A exigência sob o pacto da graça é
tão ampla quanto os requisitos ditados no Éden - harmonia com a lei de Deus,
que é santa, justa e boa.
Às palavras:
"Guarda os mandamentos", o jovem respondeu: "Quais?" Matheus
19:17 e 18. Supôs que fossem alguns preceitos cerimoniais; mas Cristo falava da
lei dada no Sinai. Mencionou diversos mandamentos da segunda tábua do decálogo,
e resumiu-os todos no preceito: "Amarás o teu próximo como a ti
mesmo." Matheus 19:19.
O jovem respondeu sem
hesitação: "Tudo isso tenho guardado desde a minha mocidade; que me falta
ainda?" Matheus 19:20. Sua compreensão da lei era externa e superficial.
Julgado segundo o padrão humano, preservara caráter irrepreensível. Em grande
parte sua vida exterior fora isenta de culpa; acreditara realmente que sua
obediência fora sem falha. Contudo tinha um receio íntimo de que nem tudo
estava direito entre seu coração e Deus. Isso originou a pergunta: "Que me
falta ainda?"
"Se queres ser
perfeito", disse Cristo, "vai, vende tudo o que tens, dá-o aos pobres
e terás um tesouro no Céu; e vem e segue-Me. E o jovem, ouvindo essa palavra,
retirou-se triste, porque possuía muitas propriedades." Matheus 19:21 e
22.
O amante de si mesmo é transgressor da lei. Isto quis Jesus
revelar ao jovem, e submeteu-o a uma prova de modo tal, que manifestaria o
egoísmo de seu coração. Mostrou-lhe a nódoa do caráter. O jovem não desejou
mais esclarecimento. Nutrira na alma um ídolo - o mundo era o seu deus.
Professava ter guardado os mandamentos, porém estava destituído do princípio
que é o próprio espírito e vida de todos eles. Não possuía verdadeiro amor a
Deus e ao homem. Esta falta era a carência de tudo quanto o qualificaria para
entrar no reino do Céu. Em seu amor ao próprio eu e ao ganho terrestre, estava
em desarmonia com os princípios do Céu.
Quando este jovem
príncipe foi ter com Jesus, sua sinceridade e fervor conquistaram o coração do
Salvador. "Olhando para ele, o amou." Marcos 10:21. Nele viu alguém
que poderia trabalhar como pregador da justiça. Teria recebido este jovem
talentoso e nobre tão prontamente como recebera os pobres pescadores que O
seguiam. Se devotasse sua aptidão à obra de salvar almas, poderia tornar-se
obreiro diligente e bem-sucedido para Cristo.
Precisava, porém, aceitar primeiramente as condições do
discipulado. Precisava entregar-se a Deus sem reservas. Ao convite do Salvador,
João, Pedro, Mateus e seus companheiros, deixando tudo, levantaram-se e O
seguiram. (Lucas 5:28.) Era requerida a mesma consagração do jovem príncipe. E
nisto Cristo não pediu maior sacrifício do que Ele próprio fizera. "Sendo
rico, por amor de vós Se fez pobre, para que, pela Sua pobreza,
enriquecêsseis." II Coríntios 8:9. O jovem tinha somente que seguir aonde
Cristo o precedera.
Cristo contemplou o
rapaz e anelou seu coração. Desejava enviá-lo como mensageiro de bênçãos aos
homens. Em vez daquilo que fora convidado a renunciar, Cristo lhe ofereceu o
privilégio de Sua companhia. "Segue-Me", disse. Matheus 19:21. Este
privilégio foi considerado uma alegria por Pedro, Tiago e João. O próprio jovem
olhava a Cristo com admiração. Seu coração foi atraído ao Salvador. Não estava,
porém, pronto para aceitar Seu princípio de abnegação. Preferiu suas riquezas a
Cristo. Desejava a vida eterna, mas não queria receber na alma aquele amor
desinteressado que, somente, é vida, e com coração triste saiu da presença de
Cristo.
Quando o jovem se
retirou, Jesus disse aos discípulos: "Quão dificilmente entrarão no reino
de Deus os que têm riquezas." Marcos 10:23. Estas palavras surpreenderam
os discípulos. Haviam sido ensinados a considerar os ricos favorecidos do Céu;
poder e riquezas mundanas, eles mesmos esperavam receber no reino do Messias;
se os ricos não entrassem no reino, que esperança poderia haver para os demais
homens?
"Jesus, tornando a falar, disse-lhes: Filhos, quão difícil é,
para os que confiam nas riquezas, entrar no reino de Deus! É mais fácil passar
um camelo pelo fundo de uma agulha do que entrar um rico no reino de Deus. E
eles se admiravam ainda mais." Marcos 10:24-26. Agora reconheceram que
também eles estavam incluídos na solene advertência. À luz das palavras do
Salvador, seu oculto anelo pelo poder e pelas riquezas foi revelado. Com maus
pressentimentos quanto a si mesmos, exclamaram: "Quem poderá, pois,
salvar-se?" Marcos 10:26.
"Jesus, porém,
olhando para eles, disse: Para os homens é impossível, mas não para Deus,
porque para Deus todas as coisas são possíveis." Marcos 10:27.
Um rico, como tal, não
pode entrar no Céu. Sua riqueza não lhe outorga direito à herança dos santos na
luz. Somente pela graça imerecida de Cristo pode alguém ter entrada na cidade
de Deus.
As palavras do Espírito
são dirigidas tanto aos ricos como aos pobres: "Não sois de vós mesmos;
porque fostes comprados por bom preço." I Coríntios 6:19 e 20. Quando os
homens crerem isto, considerarão suas posses um legado para ser usado como Deus
dirigir, para salvação dos perdidos, e conforto dos sofredores e pobres. Para o
homem isto é impossível, porque o coração se apega às posses terrestres. A alma
presa ao serviço de "Mamom", está surda ao clamor da necessidade
humana. Para Deus todas as coisas são possíveis, porém. Contemplando o
imaculado amor de Cristo, o coração egoísta se enternecerá e será subjugado.
Como o fariseu Saulo, o rico será induzido a dizer: "O que para mim era
ganho reputei-o perda por Cristo. E, na verdade, tenho também por perda todas
as coisas, pela excelência do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor."
Filipenses 3:7 e 8. Então nada estimarão seu. Jubilarão por considerarem-se
mordomos da múltipla graça de Deus, e por Sua causa servos de todos os homens.
Pedro foi o primeiro a reanimar-se da íntima convicção operada
pelas palavras do Salvador. Pensou com satisfação no que ele e seus irmãos
renunciaram por Cristo: "Eis que", disse ele, "nós deixamos tudo
e Te seguimos." Matheus 19:27. Lembrando-se da promessa condicional ao jovem
príncipe: "Terás um tesouro no Céu" (Matheus 19:21), perguntou o que
ele e seus companheiros receberiam como recompensa por seu sacrifício.
A resposta do Salvador
comoveu o coração daqueles pescadores galileus. Cristo mencionou honras que
ultrapassavam seus mais altos sonhos. "Em verdade vos digo que vós, que Me
seguistes, quando, na regeneração, o Filho do Homem Se assentar no trono da Sua
glória, também vos assentareis sobre doze tronos, para julgar as doze tribos de
Israel." Matheus 19:28. E acrescentou: "Ninguém há, que tenha deixado
casa, ou irmãos, ou irmãs, ou pai, ou mãe, ou mulher, ou filhos, ou campos, por
amor de Mim e do evangelho, que não receba cem vezes tanto, já neste tempo, em
casas, e irmãos,
"E, tudo quanto
fizerdes, fazei-o de todo o coração, como ao Senhor e não aos homens, sabendo
que recebereis do Senhor o galardão da herança." Colossenses 3:23 e 24.
"E eis que cedo venho, e o Meu galardão está comigo para dar a cada um
segundo a sua obra." Apocalipse 22:12.
Mas a pergunta de Pedro: "Que receberemos?" (Matheus
19:27) revelou um espírito que, não corrigido, incapacitaria os discípulos para
serem mensageiros de Cristo; porque era espírito de mercenário. Embora
houvessem sido atraídos pelo amor de Jesus, os discípulos não estavam
completamente livres do farisaísmo. Ainda trabalhavam com o pensamento de
merecer recompensa proporcional à sua obra. Nutriam espírito de exaltação e
complacência próprias, e faziam distinções entre si. Se algum deles falhava em
qualquer pormenor, os outros nutriam sentimentos de superioridade.
Para que os discípulos
não perdessem de vista os princípios do evangelho, Cristo lhes narrou uma
parábola ilustrativa da maneira como Deus procede com Seus servos, e o espírito
com que deseja que trabalhem para Ele.
"O reino dos
Céus", disse Ele, "é semelhante a um homem, pai de família, que saiu
de madrugada a assalariar trabalhadores para a sua vinha." Matheus 20:1.
Era costume que os homens que procuravam trabalho esperassem nas praças, e lá
iam os empreiteiros procurar servos. O homem da parábola é apresentado como
indo a diferentes horas contratar operários. Os assalariados nas primeiras
horas concordaram em trabalhar por uma soma combinada; os assalariados mais
tarde deixaram o seu salário à discrição do pai de família.
"Aproximando-se a
noite, diz o senhor da vinha ao seu mordomo: Chama os trabalhadores, e
paga-lhes o salário, começando pelos derradeiros até aos primeiros. E, chegando
os que tinham ido perto da hora undécima, receberam um dinheiro cada um; vindo,
porém, os primeiros, cuidaram que haviam de receber mais; mas, do mesmo modo,
receberam um dinheiro cada um." Matheus 20:8-10.
O procedimento do pai de
família com os trabalhadores em sua vinha representa o de Deus com a família
humana. É contrário aos costumes que prevalecem entre os homens. Nos negócios
mundanos, a compensação é dada de acordo com o trabalho executado. O
trabalhador espera que lhe seja pago somente aquilo que ganhou. Mas na
parábola, Cristo estava ilustrando os princípios de Seu reino - um reino não
deste mundo. Ele não é regido por qualquer norma humana. Diz o Senhor:
"Porque os Meus pensamentos não são os vossos pensamentos, nem os vossos
caminhos, os Meus caminhos. ... Porque, assim como os céus são mais altos do
que a terra, assim são os Meus caminhos mais altos que os vossos caminhos, e os
Meus pensamentos, mais altos do que os vossos pensamentos." Isaías 55:8 e
9.
Na parábola, os primeiros obreiros concordaram em trabalhar por
uma soma estipulada, e receberam a quantia especificada. Nada mais. Os
assalariados mais tarde creram na promessa do mestre: "Dar-vos-ei o que
for justo." Matheus 20:4. Mostraram confiança nele, nada perguntando a
respeito do salário. Confiaram em sua justiça e eqüidade. Foram recompensados,
não de acordo com o que trabalharam, mas segundo a generosidade do pai de
família.
Assim deseja Deus que
confiemos nEle, que justifica o ímpio. Seu galardão é dado, não proporcionalmente
ao nosso mérito, mas conforme Seu propósito, "que fez em Cristo Jesus,
nosso Senhor". Efésios 3:11. "Não pelas obras de justiça que
houvéssemos feito, mas, segundo a Sua misericórdia, nos salvou." Tito 3:5.
E aos que nEle confiam fará "muito mais abundantemente além daquilo que
pedimos ou pensamos". Efésios 3:20.
Não a soma do trabalho
que executamos, nem seus resultados visíveis, mas o espírito com que o fazemos,
é que o torna valioso para Deus. Os que foram à vinha à undécima hora, estavam
gratos pela oportunidade de trabalhar. Seu coração estava cheio de gratidão
àquele que os recebera; e quando no fim do dia o pai de família lhes pagou uma
jornada completa, ficaram muito surpreendidos. Sabiam que não mereciam tal
recompensa. E a bondade expressa no semblante de Seu amo encheu-os de júbilo.
Jamais esqueceram a benignidade do patrão nem a generosa recompensa que
receberam. Assim é com o pecador que, conhecendo sua indignidade, entrou na
vinha do Mestre à undécima hora. Seu tempo de serviço parece tão curto, sente
que não merece recompensa; porém, enche-se de alegria porque, sobretudo, Deus o
aceitou. Labuta com espírito humilde e confiante, grato pelo privilégio de ser
um coobreiro de Cristo. Deus Se deleita em honrar este espírito.
O Senhor deseja que descansemos nEle sem pensar na medida do
galardão. Quando Cristo habita na alma, o pensamento de remuneração não é
supremo. Este não é o motivo impelente do nosso serviço. Verdade é que num
sentido secundário devemos olhar à recompensa. Deus deseja que apreciemos as
bênçãos prometidas; mas não que sejamos ávidos de remuneração, nem sintamos que
para cada serviço devamos receber compensação. Não devemos estar tão ansiosos
de obter o galardão, como de fazer o que é justo, independentemente de
"Pelo que nem o que
planta é alguma coisa, nem o que rega, mas Deus, que dá o crescimento. Ora, o
que planta e o que rega são um; mas cada um receberá o seu galardão, segundo o
seu trabalho. Porque nós somos cooperadores de Deus; ... ninguém pode pôr outro
fundamento, além do que já está posto, o qual é Jesus Cristo. ... Se a obra que
alguém edificou nessa parte permanecer, esse receberá galardão." I
Corintios 3:7-9, 11 e 14.
O amor
a Deus e a nossos semelhantes deve ser o nosso motivo.
Esta parábola não
desculpa os que ouvem o primeiro chamado para o trabalho, mas negligenciam
entrar na vinha do Senhor. Quando o pai de família foi à praça à undécima hora,
e encontrou homens desocupados, disse: "Por que estais ociosos todo o dia?"
Matheus 20:6. A resposta foi: "Porque ninguém nos assalariou." Matheus
20:7. Nenhum dos chamados mais tarde, estava ali de manhã. Não recusaram a
chamada. Os que recusam e depois se arrependem, fazem bem em arrepender-se; mas
não é seguro menosprezar o primeiro apelo da graça.
Quando os trabalhadores
da vinha receberam "um dinheiro cada um" (Matheus 20:9), os que
haviam começado a trabalhar mais cedo, ficaram ofendidos. Não haviam labutado
eles doze horas? arrazoaram entre si, e não era justo que recebessem mais do
que os que trabalharam apenas uma hora na parte mais amena do dia? "Estes
derradeiros trabalharam só uma hora", disseram, "e tu os igualaste
conosco, que suportamos a fadiga e a calma do dia." Matheus 20:12.
"Amigo",
retrucou o pai de família a um deles; "não te faço injustiça; não
ajustaste tu comigo um dinheiro? Toma o que é teu e retira-te; eu quero dar a
este derradeiro tanto como a ti. Ou não me é lícito fazer o que quiser do que é
meu? Ou é mau o teu olho porque eu sou bom?" Matheus 20:13-15.
"Assim, os derradeiros
serão primeiros, e os primeiros, derradeiros, porque muitos são chamados, mas
poucos, escolhidos." Matheus 20:16.
Os primeiros
trabalhadores da parábola representam os que, por causa de seus serviços
reclamam preferência sobre os demais. Empreendem sua obra com o espírito de
engrandecimento, e não empregam nela abnegação e sacrifício. Podem haver
professado servir a Deus toda a sua vida; podem destacar-se em suportar
dificuldades, privação e provas, e por isso pensam ter direito a grande
remuneração. Pensam mais na recompensa que no privilégio de serem servos de
Cristo. A seu parecer, suas labutas e sacrifícios conferem-lhes o direito de
receber mais honras que os outros, e por não ser reconhecido esse direito,
ficam ofendidos. Se tivessem trabalhado com espírito amável e confiante,
continuariam a ser os primeiros; mas sua disposição queixosa e lamuriante é
dessemelhante da de Cristo, e demonstra que são indignos de confiança. Revela
seu desejo de exaltação própria, desconfiança de Deus, e espírito ambicioso e
de inveja para com os irmãos. A bondade e a liberalidade do Senhor lhes é
motivo de murmuração. Assim demonstram não ter afinidade com Deus. Não conhecem
a alegria da cooperação com o Obreiro por excelência.
Nada mais ofensivo há para Deus que este espírito acanhado, e que
cuida só de si. Não pode Ele operar com os que manifestam tais predicados. São
insensíveis à operação de Seu Espírito.
Os judeus foram os
primeiros a serem chamados para a vinha do Senhor; e por isso eram altivos e
cheios de justiça própria. Cuidavam que seus longos anos de trabalho os
titulavam para receber galardão maior do que os outros. Nada lhes foi mais
exasperante do que uma insinuação de que os gentios deveriam ser admitidos aos
mesmos privilégios que eles nas coisas de Deus.
Cristo advertiu os
discípulos que primeiro foram chamados a segui-Lo, a que não acariciassem o
mesmo mal. Viu que o espírito de justiça própria seria a causa da debilidade e
maldição da igreja. Os homens pensariam que poderiam fazer alguma coisa para
obter lugar no reino dos Céus. Imaginariam que quando tivessem feito certos
progressos o Senhor viria para auxiliá-los. Assim haveria abundância do próprio
eu e pouco de Jesus. Muitos que houvessem progredido um pouco se jactariam e
considerariam superiores a outros. Seriam ávidos de lisonjas, invejosos se não
fossem tidos por mais importantes. Cristo procurou proteger Seus discípulos
contra este perigo.
Não é cabível o vangloriar-nos de algum mérito. "Não se
glorie o sábio na sua sabedoria, nem se glorie o forte na sua força; não se
glorie o rico nas suas riquezas. Mas o que se gloriar glorie-se nisto: em Me
conhecer e saber que Eu sou o Senhor, que faço beneficência, juízo e justiça na
Terra; porque destas coisas Me agrado, diz o Senhor." Jeremias 9:23 e 24.
A recompensa não é pelas
obras, para que ninguém se glorie, mas pela graça. "Que diremos, pois, ter
alcançado Abraão, nosso pai segundo a carne? Porque, se Abraão foi justificado
pelas obras, tem de que se gloriar, mas não diante de Deus. Pois, que diz a
Escritura? Creu Abraão a Deus, e isso lhe foi imputado como justiça. Ora,
àquele que faz qualquer obra, não lhe é imputado o galardão segundo a graça,
mas segundo a dívida. Mas, àquele que não pratica, porém crê nAquele que justifica
o ímpio, a sua fé lhe é imputada como justiça." Romanos 4:1-5. Portanto
não há ocasião de alguém se gloriar sobre outro,
"O Senhor galardoe
o teu feito, e seja cumprido o teu galardão do Senhor, Deus de Israel."
Rute 2:12. "Deveras há uma recompensa para o justo." Sal. 58:11.
"Para o que semeia justiça, haverá galardão certo." Provérbios 11:18.
Ninguém é mais privilegiado do que outro, nem
pode alguém reclamar o galardão como um direito.
O primeiro e o último
devem ser participantes do grande galardão eterno, e o primeiro deve dar
alegremente as boas-vindas ao último. Aquele que inveja o galardão de outro,
esquece que ele mesmo é salvo unicamente pela graça. A parábola dos
trabalhadores reprova toda ambição e suspeita. O amor regozija-se na verdade, e
não estabelece comparações invejosas. Quem possui amor, compara somente seu
próprio caráter imperfeito com a amabilidade de Cristo.
Esta parábola é uma
advertência a todos os obreiros que, embora longos seus serviços, embora fartas
as labutas, estão sem amor aos irmãos e sem humildade perante Deus. Não há
religião na entronização do próprio eu. Aquele, cujo alvo é a glorificação
própria, se encontrará destituído daquela graça que, somente, pode torná-lo
eficiente no serviço de Cristo. Quando é tolerado o orgulho e a complacência
própria, a obra é arruinada.
Não é a duração do tempo
que labutamos, mas a voluntariedade e fidelidade em nosso trabalho que o torna
aceitável a Deus. É requerida uma renúncia completa do próprio eu em todo o
nosso serviço. O menor dever feito com sinceridade e desinteresse é mais
agradável a Deus que a maior obra quando manchada pelo egoísmo. Ele olha para
ver quanto nutrimos do espírito de Cristo, e quanto nosso trabalho revela da
semelhança de Cristo. Considera mais o amor e a fidelidade com que trabalhamos
do que a quantidade que fazemos.
Somente quando o egoísmo
estiver morto, banida a contenda pela supremacia, o coração repleto de gratidão
e o amor houver tornado fragrante a vida - somente então, Cristo nos está
habitando na alma e somos reconhecidos como coobreiros de Deus.
Por mais difícil que
seja a labuta, os verdadeiros obreiros não a consideram fadiga. Estão prontos
para gastarem-se e deixarem-se gastar; porém é uma obra prazenteira, feita de
coração alegre. A alegria em Deus é expressa mediante Jesus Cristo. Sua alegria
é a alegria proposta a Cristo: "Fazer a vontade dAquele que Me enviou e
realizar a Sua obra." João 4:34. São cooperadores do Senhor da glória.
Este pensamento suaviza toda fadiga, robustece a vontade, fortalece o espírito
para tudo que suceder. Trabalhando com coração isento de egoísmo, enobrecidos
por serem participantes dos sofrimentos de Cristo, partilhando de Suas
simpatias e colaborando com Ele em Sua obra, ajudam a intensificar a Sua
alegria e a acrescentar honra e louvor ao Seu nome exaltado.
Esse é o espírito de todo serviço verdadeiro para Deus. Pela falta
do mesmo, muitos que aparentam ser os primeiros se tornarão os últimos,
enquanto os que o possuem, embora considerados os últimos, se tornarão os
primeiros.
Muitos há que se
entregaram a Cristo, todavia não vêem oportunidade de realizar grande obra ou
fazer grandes sacrifícios em Seu serviço. Estes podem achar conforto no pensamento
de que não é necessariamente a abnegação do mártir que é mais aceitável a Deus;
pode ser que o missionário que enfrente diariamente o perigo e a morte, não
tome a mais elevada posição nos registros do Céu. O cristão que o é em sua vida
particular, na renúncia diária do eu, na sinceridade de propósito e pureza de
pensamento, em mansidão sob provocação, em fé e piedade, em fidelidade nas
coisas mínimas, que na vida familiar representa o caráter de Cristo, esse pode
ser mais precioso aos olhos de Deus que o missionário ou mártir de fama
mundial.
Oh, como são diferentes
os padrões pelos quais Deus e o homem medem o caráter! Deus vê muitas tentações
resistidas das quais o mundo e até os amigos íntimos nunca sabem - tentações no
lar e no coração. Vê a humildade da alma em vista de sua própria fraqueza; o arrependimento
sincero, até de um pensamento que é mau. Vê a inteira devoção a Seu serviço.
Anotou as horas de duros combates com o próprio eu - combates que trouxeram
vitória. Tudo isto os anjos e Deus sabem. Um memorial há escrito diante dEle,
para os que temem ao Senhor e para os que se lembram do Seu nome.
O segredo do êxito não é encontrado nem em nossa erudição, nem em
nossa posição, nem em nosso número ou nos talentos a nós confiados, nem na
vontade do homem. Cônscios de nossa deficiência devemos contemplar a Cristo, e
por Ele que é a força por excelência, a expressão máxima do pensamento, o
voluntário e obediente obterá uma vitória após outra.
E por mais breve que
seja o nosso serviço, ou mais humilde nossa obra, se seguirmos a Cristo com fé
singela, não seremos desapontados pelo galardão. Aquilo que o maior e mais
sábio não pode alcançar, o mais débil e mais humilde receberá. Os portões
áureos do Céu não se abrem para os que se exaltam. Não são erguidos para os de
espírito altivo. Os portais eternos abrir-se-ão ao trêmulo contato de uma
criancinha. Abençoado será o galardão da graça para os que trabalharam para
Deus com simplicidade de fé e amor.
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