Cristo estava ensinando, e, como de costume, reuniram-se em redor
outras pessoas, além dos discípulos. Falara aos discípulos de cenas em que em
breve tomariam parte. Deviam proclamar as verdades a eles confiadas, e seriam
levados a conflitos com os governantes deste mundo. Por Sua causa seriam
intimados a tribunais, e perante juízes e reis. Prometeu-lhes sabedoria que
ninguém poderia contradizer. Suas palavras que moviam o coração da multidão e
confundiam os sagazes adversários, testemunhavam do poder daquele Espírito
imanente, que prometera a Seus seguidores.
Havia muitos, porém, que
ansiavam a graça do Céu unicamente para servir a seus propósitos egoístas.
Reconheciam o maravilhoso poder de Cristo de expor a verdade em clara luz.
Ouviam a promessa a Seus seguidores, de sabedoria para falar perante governadores
e juízes. Não lhes concederia também poder para seu proveito material?
"E disse-Lhe um da
multidão: Mestre, dize a meu irmão que reparta comigo a herança." Lucas
12:13. Deus dera por Moisés instruções a respeito da transmissão de
propriedade. O primogênito recebia uma porção dobrada das posses do pai (Deuteronômio
21:17), enquanto os mais jovens recebiam o restante em partes iguais. Este
homem julga que seu irmão o defraudou de sua herança. Seus próprios esforços
falharam para ganhar o que considerava seu de direito; porém, se Cristo Se
interpusesse, a intenção certamente seria alcançada. Ele ouvira os fortes
apelos de Cristo e Suas solenes denúncias contra os escribas e fariseus. Se
palavras de tal autoridade fossem dirigidas a este irmão, não ousaria recusar
ao queixoso sua cota.
No meio da solene instrução que Cristo dera, este homem revelou
sua disposição egoísta. Podia apreciar aquela habilidade do Senhor que serviria
à promoção de seus negócios temporais; porém, as verdades espirituais não lhe
impressionavam a mente nem o coração. A obtenção da herança era o tema que o
enlevava. Jesus, o Rei da glória, que era rico mas por nossa causa Se tornou
pobre, lhe estava abrindo os tesouros do amor divino. O Espírito Santo com ele
pleiteava para que se tornasse herdeiro do tesouro "incorruptível,
incontaminável e que se não pode murchar". I Pedro 1:4. Vira as evidências
do amor de Cristo. Agora tinha a oportunidade de falar ao grande Mestre e de
exprimir o mais íntimo desejo do coração. Como o homem com o ancinho na
alegoria de Bunyan, seus olhos estavam fixos na Terra. Não viu a coroa sobre
sua cabeça. Como Simão Mago, estimava a dádiva de Deus como meio de alcançar
lucros materiais.
A missão do Salvador na Terra
estava próxima do fim. Restavam-Lhe poucos meses para concluir aquilo a que
viera, isto é, estabelecer o reino de Sua graça. Contudo, a cobiça humana
tentava desviá-Lo de Sua obra para resolver a contenda sobre um pedaço de
terra. Mas Jesus não podia ser distraído de Sua missão. Retrucou: "Homem,
quem Me pôs a Mim por juiz ou repartidor entre vós?" Lucas 12:14.
Jesus podia ter dito a esse homem justamente o que era correto.
Sabia quem neste caso tinha razão; porém os irmãos estavam em desavença porque
eram avarentos. Cristo disse, com efeito: Não Me compete a Mim a tarefa de
decidir controvérsias de tal espécie. Viera com outro propósito, isto é, pregar
o evangelho e assim despertar os homens para o senso das realidades eternas.
Na atitude de Cristo nesse caso
há uma lição para todos os que ministram em Seu nome. Quando enviou os doze,
disse: "E, indo, pregai, dizendo: É chegado o reino dos Céus. Curai os
enfermos, limpai os leprosos, ressuscitai os mortos, expulsai os demônios; de
graça recebestes, de graça dai." Mat. 10:7 e 8. Não tinham que resolver as
questões temporais do povo. Sua obra era persuadir os homens para que se
reconciliassem com Deus. Nesta obra consistia seu poder para abençoar a
humanidade. O único remédio para os pecados e sofrimentos dos homens é Cristo.
Unicamente o evangelho de Sua graça pode curar os males que amaldiçoam a
sociedade. A injustiça do rico para com o pobre, e o ódio dos pobres para com
os ricos, ambos têm a raiz no egoísmo; e este, somente pode ser desarraigado pela
submissão a Cristo. Ele, unicamente, substitui o cobiçoso coração do pecado
pelo novo coração de amor. Preguem os servos de Cristo o evangelho com o
Espírito enviado do Céu e como Ele trabalhem para o benefício dos homens.
Então, hão de se manifestar no abençoar e soerguer a humanidade, resultados
cuja realização seria totalmente impossível pelo poder humano.
Nosso Senhor bateu na raiz da
questão que turbava este interlocutor e de todas as disputas semelhantes,
dizendo: "Acautelai-vos e guardai-vos da avareza, porque a vida de
qualquer não consiste na abundância do que possui." Lucas 12:15.
"E lhes proferiu ainda uma parábola, dizendo: O campo de um
homem rico produziu com abundância. E arrazoava consigo mesmo, dizendo: Que
farei, pois não tenho onde recolher os meus frutos? E disse: Farei isto:
destruirei os meus celeiros, reconstruí-los-ei maiores e aí recolherei todo o
meu produto e todos os meus bens. Então, direi à minha alma: tens em depósito
muitos bens para muitos anos; descansa, come, bebe e regala-te. Mas Deus lhe
disse: Louco, esta noite te pedirão a tua alma; e o que tens preparado, para
quem será? Assim é o que entesoura para si mesmo e não é rico para com
Deus." Lucas 12:16-21.
Pela parábola do rico insensato mostrou Cristo a loucura dos que
fazem do mundo seu tudo. Este homem recebera tudo de Deus. Ao Sol fora
permitido brilhar sobre sua propriedade; pois seus raios caem sobre justos e
injustos. A chuva desce do céu do mesmo modo sobre maus e bons. O Senhor fizera
que a vegetação florescesse e os campos produzissem abundantemente. O rico
estava em perplexidade sobre o que devia fazer com a colheita. Seus celeiros
estavam superabarrotados, e não tinha lugar para o excedente. Não pensou em
Deus, de quem vieram todas as dádivas. Não reconheceu que Deus o fizera mordomo
de Seus bens, para que socorresse os necessitados. Tinha a abençoada
oportunidade de se tornar distribuidor das bênçãos de Deus, porém unicamente
pensou em administrar ao próprio conforto.
A situação do pobre, do órfão,
da viúva, do enfermo, do aflito, foi trazida à atenção desse rico. Havia muitos
lares nos quais distribuir seus bens. Podia ele facilmente privar-se de uma
porção de sua abundância e muitas famílias poderiam ser libertas das privações,
muito faminto poderia ser saciado, vestido muito nu, muito coração alegrado,
respondida muita súplica por pão e roupa, e uma melodia de louvor teria
ascendido ao Céu. O Senhor ouvira a oração do necessitado, e em Sua bondade
tomara providência para o pobre. Salmos 68:10. Havia na bênção outorgada ao
rico abundante provisão para a indigência de muitos. Cerrou ele, porém, o
coração ao clamor do indigente, e disse aos servos: "Farei isto:
destruirei os meus celeiros, reconstruí-los-ei maiores e aí recolherei todo o
meu produto e todos os meus bens. Então, direi à minha alma: tens em depósito
muitos bens para muitos anos; descansa, come, bebe e regala-te.." Lucas
12:18 e 19.
A aspiração desse homem não era mais elevada que a das bestas que
perecem. Vivia como se não houvesse Deus, nem Céu, nem vida futura; como se
tudo que possuía lhe pertencesse, e nada devesse a Deus nem aos homens.
Descreve o salmista esse rico, ao dizer: "Disseram os néscios no seu
coração: Não há Deus." Salmos 14:1.
Esse homem vivera e planejara para o eu. Vê que há bastante
provisão para o futuro; nada mais lhe resta agora senão entesourar e desfrutar
o fruto de seu trabalho. Considera-se favorecido sobre os outros homens, e
confere a si mesmo a honra de ter administrado sabiamente. É honrado pelos
concidadãos como homem de bom discernimento e próspero. Porque "os
homens" te louvam, "quando faz bem a si mesmo". Salmos 49:18.
Mas "a sabedoria deste
mundo é loucura diante de Deus". I Cor. 3:19. Enquanto o rico está
prevendo anos de prazeres, o Senhor faz planos muito diferentes. Veio a este
mordomo infiel a mensagem: "Louco, esta noite te pedirão a tua alma."
Eis uma exigência que o dinheiro não pode satisfazer. O tesouro por ele
acumulado não pode alcançar revogação. Num momento torna-se sem valor aquilo
para cujo ganho trabalhara a vida toda. "E o que tens preparado para quem
será?" Lucas 12:20. Seus largos campos e celeiros abarrotados escapam a seu
controle. "Amontoam riquezas e não sabem quem as levará." Salmos
39:6.
A única coisa que lhe seria de
valor agora, não a adquiriu. Vivendo para o próprio eu, rejeitou o amor divino,
que fluiria em misericórdia para com seus concidadãos. Assim obrando, rejeitou
a vida; porque Deus é amor, e amor é vida. Este homem escolheu o material em
vez do espiritual, e com o material tem que sucumbir. "O homem que está em
honra, e não tem entendimento, é semelhante aos animais, que perecem."
Salmos 49:20.
"Assim é aquele que para si ajunta tesouros, e não é rico
para com Deus." Lucas 12:21. A ilustração é aplicável a todos os tempos.
Podeis planejar meramente para a própria satisfação egoísta, acumular tesouros,
construir mansões grandes e altas como os arquitetos da antiga Babilônia;
porém, não podeis arquitetar um muro tão alto e um portal tão forte que exclua
os mensageiros da vingança. O rei Belsazar dava um grande banquete, e louvava
"aos deuses de ouro, de prata, de cobre, de ferro, de madeira e de pedra".
Daniel 5:4. Mas a mão do Invisível escreveu na parede aquelas palavras de
condenação, e o ruído do exército inimigo foi ouvido nos portões do palácio.
"Naquela mesma noite, foi morto Belsazar, rei dos caldeus", e um rei
estrangeiro subiu ao trono. Daniel 5:30.
Viver para si mesmo é perecer.
A avareza, o desejo de beneficiar a si próprio, compromete a vida. É de Satanás
o espírito de ganhar e atrair para si. De Cristo é o espírito de dar e
sacrificar-se em benefício dos outros. "E o testemunho é este: que Deus
nos deu a vida eterna; e esta vida está em Seu Filho. Quem tem o Filho tem a
vida; quem não tem o Filho de Deus não tem a vida." I João 5:11 e 12.
Portanto diz:
"Acautelai-vos e guardai-vos da avareza, porque a vida de qualquer não
consiste na abundância do que possui." Lucas 12:15..
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