Um novo imperador, Carlos V, subira ao trono da
Alemanha, e os emissários de Roma se apressaram a apresentar suas
congratulações e induzir o rei a empregar seu poder contra a Reforma. De outro
lado, o eleitor da Saxônia, a quem Carlos em grande parte devia a coroa,
rogava-lhe não dar passo algum contra Lutero antes de lhe conceder oportunidade
de se fazer ouvir.
A Atenção de todos os
partidos dirigia-se agora para a assembléia dos Estados alemães que se reuniu
em Worms logo depois da ascensão de Carlos ao poder imperial. Havia importantes
questões e interesses políticos a serem considerados por esse concílio
nacional; mas estes pareciam de pouco interesse, quando contrastados com a
causa do monge de Wittenberg.
Carlos, encarregara
previamente o eleitor de levar consigo Lutero à Dieta, assegurando-lhe proteção
e prometendo franco estudo das questões em contenda, com pessoa competente.
Lutero estava ansioso por comparecer perante o imperador.
Os amigos de Lutero
estavam aterrorizados, angustiados. Sabendo do preconceito e inimizade contra
ele, temiam que mesmo seu salvo-conduto não fosse respeitado, e rogavam-lhe que
não expusesse a vida ao perigo. Ele replicou: "Os sectários do papa não
desejam minha ida a Worms, mas minha condenação e morte. Não importa. Não orem
por mim, mas pela Palavra de Deus."
Perante o Concílio
Finalmente, Lutero se
achou perante o concílio. O imperador ocupava o trono. Estava rodeado das mais
ilustres personagens do império. Nunca homem algum comparecera à presença de
uma assembléia mais imponente do que aquela diante da qual Martinho Lutero
deveria responder por sua fé.
Aquela própria cena foi
uma assinalada vitória para a verdade. Que um homem, a quem o papa condenara,
fosse julgado por outro tribunal, era virtualmente uma recusa da suprema
autoridade do pontífice. O reformador, colocado sob excomunhão e pelo papa
excluído da sociedade humana, recebera garantia de proteção e foi ouvido pelos
mais altos dignitários da nação. Roma condenara-o ao silêncio, mas agora ele
estava prestes a falar perante milhares de todas as partes da cristandade.
Calmo e paciente, todavia corajoso e nobre, surgiu como testemunha de Deus
entre os grandes da Terra. Lutero respondeu em submisso e humilde tom, sem
violência ou paixão. Sua conduta era tímida e respeitosa, embora manifestasse
uma confiança e alegria que surpreendeu a assembléia.
Os que obstinadamente
fechavam os olhos à luz e se decidiram a não convencer-se da verdade, ficaram
enraivecidos com o poder das palavras de Lutero. Quando cessou de falar, o
porta-voz da Dieta disse, irado: "Não respondeste à pergunta feita. ...
Exige-se que dês resposta clara e precisa. ... Retratar-te-ás ou não?"
O reformador respondeu:
"Visto que vossa sereníssima majestade e vossas nobres altezas exigem de mim
resposta clara, simples e precisa, dar-vo-la-ei, é esta: Não posso submeter
minha fé, quer ao papa, quer aos concílios, porque é claro como o dia que eles
têm freqüentemente errado e se contradito um ao outro. Portanto, a menos que eu
seja convencido pelo testemunho das Escrituras ou pelo mais claro raciocínio; a
menos que seja persuadido por meio das passagens que citei; a menos que assim
submetam minha consciência pela Palavra de Deus, não posso retratar-me e não me
retratarei, pois é perigoso a um cristão falar contra a consciência. Aqui
permaneço, não posso fazer outra coisa; queira Deus ajudar-me. Amém."
Assim se manteve este homem justo sobre o firme
fundamento da Palavra de Deus. A luz do Céu iluminava-lhe o semblante. Sua
grandeza e pureza de caráter, sua paz e alegria de coração, eram manifestas a
todos ao testificar ele contra o poder do erro e testemunhar a superioridade da
fé que vence o mundo.
Ele permaneceu firme
como uma rocha, enquanto as violentas ondas do poder terreno em vão arremetiam
contra ele. A simples energia de suas palavras, seu porte intimorato, seus
calmos e expressivos olhos, bem como a inalterável determinação expressa em
cada palavra e ação, causaram uma profunda impressão sobre a assembléia. Era
evidente que ele não seria induzido, por promessas ou ameaças, a render-se ao
mando de Roma.
Cristo falara por
intermédio do testemunho de Lutero, com um poder e grandeza que na ocasião
causou espanto e admiração tanto a amigos como a adversários. O Espírito de
Deus estivera presente naquele concílio, impressionando o coração dos
principais do império. Vários dos príncipes reconheceram ousadamente a justiça
da causa de Lutero. Muitos estavam convictos da verdade; mas em outros as
impressões recebidas não foram duradouras. Houve outra classe que no momento
não exprimiu suas convicções, mas que, tendo pesquisado as Escrituras por si
mesmos, em ocasião posterior declarou-se com grande coragem pela Reforma.
O eleitor Frederico aguardara ansiosamente o
comparecimento de Lutero perante a Dieta, e com profunda emoção ouviu seu
discurso. Com alegria e orgulho testemunhou a coragem, firmeza e domínio
próprio do doutor, e orgulhou-se de ser o seu protetor. Ele contrastava as
facções em contenda, e via que a sabedoria dos papas, reis e prelados fora,
pelo poder da verdade, reduzida a nada. O papado sofrera uma derrota que seria
sentida entre todas as nações e em todos os tempos.
Houvesse o reformador
cedido num único ponto, e Satanás e seus exércitos teriam ganho a vitória. Mas
sua persistente firmeza foi o meio para a emancipação da igreja e o início de
uma era nova e melhor. A influência desse único homem, que ousou pensar e agir
por si mesmo em assuntos religiosos, deveria afetar a igreja e o mundo, não
somente em seu próprio tempo, mas em todas as gerações futuras. Sua firmeza e
fidelidade fortaleceriam, até ao final do tempo, a todos os que passassem por
experiência semelhante. O poder e majestade de Deus se mantiveram acima do
conselho dos homens, acima da potente força de Satanás.
Vi que Lutero era
ardente e zeloso, destemido e ousado para reprovar o pecado e advogar a
verdade. Não se preocupava com homens ímpios ou demônios; sabia que consigo
tinha Alguém que era mais forte do que eles todos. Lutero possuía zelo, coragem
e ousadia, e por vezes esteve em perigo de ir aos extremos. Mas Deus suscitou a
Melâncton, que era exatamente o contrário no caráter, a fim de auxiliar Lutero
a levar avante a obra da Reforma. Melâncton era tímido, medroso, cauteloso e
possuía grande paciência. Era grandemente amado por Deus. Grande era o seu
conhecimento das Escrituras e excelentes o seu juízo e sabedoria. Seu amor pela
causa de Deus era igual ao de Lutero. Os corações destes homens o Senhor os
ligara entre si; eram amigos inseparáveis. Lutero era um grande auxílio para
Melâncton quando se achava amedrontado e vagaroso, e Melâncton, por sua vez, o
era para Lutero, quando em perigo de agir com demasiada rapidez.
A cautela mui previdente de Melâncton muitas
vezes desviou dificuldades que teriam sobrevindo à causa, se a obra estivesse
entregue unicamente a Lutero; e muitas vezes a obra não teria sido levada
avante se estivera entregue a Melâncton só. Foi-me mostrada a sabedoria de Deus
em escolher esses dois homens para promover a obra da Reforma.
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