A Ovelha Perdida
Cristo não lembrou aos Seus ouvintes
desta vez as palavras da Escritura. Apelou ao testemunho de sua própria
experiência. Os planaltos que se estendiam ao longe, ao oriente do Jordão,
ofereceriam abundantes pastagens para rebanhos, e, pelos desfiladeiros e
colinas arborizadas, desgarrava-se muita ovelha perdida, para ser procurada e
trazida de volta pelo cuidado do pastor. Entre a multidão que rodeava a Jesus,
havia pastores e também homens que investiam dinheiro em rebanhos e gado; e
todos podiam apreciar Sua ilustração. "Que homem dentre vós, tendo cem
ovelhas e perdendo uma delas, não deixa no deserto as noventa e nove e não vai
após a perdida até que venha a achá-la?" Lucas 15:4.
Estas almas que vós desprezais, dizia Jesus, são propriedade de
Deus. Pertencem-Lhe pela criação e redenção, e a Seus olhos são de grande
valor. Assim como o pastor ama as ovelhas e não pode sossegar enquanto uma
única lhe falta, também Deus, em grau infinitamente mais alto, ama todo
perdido. Os homens podem negar as reivindicações de Seu amor. Podem dEle
desviar-se, podem escolher outro mestre; contudo, pertencem a Deus, e Ele anela
recuperar Sua propriedade. Diz: "Como o pastor busca o seu rebanho, no dia
em que está no meio das suas ovelhas dispersas, assim buscarei as Minhas
ovelhas; e as farei voltar de todos os lugares por onde andam espalhadas no dia
de nuvens e de escuridão." Ezequiel 34:12.
Na parábola, o pastor sai em
busca de uma ovelha - o mínimo que pode ser numerado. Assim, se houvesse apenas
uma alma perdida, Cristo por ela teria morrido.
A ovelha desgarrada do rebanho
é a mais desamparada de todas as criaturas. Precisa ser procurada pelo pastor,
pois não pode, sozinha, encontrar o caminho de volta. O mesmo se dá com a alma
que se desviou de Deus; está tão desamparada quanto a ovelha perdida, e se o
amor divino não fosse salvá-la, jamais poderia achar o caminho para Deus.
O pastor que descobre a
ausência de uma ovelha, não contempla indiferentemente o rebanho que está
seguro no redil, dizendo: "Tenho noventa e nove, e custar-me-á muita perturbação
ir em busca da desgarrada.
Ela que volte; abrir-lhe-ei a porta do redil e a deixarei
entrar." Não; logo que a ovelha se afasta, o pastor enche-se de cuidados e
apreensões. Conta e reconta o rebanho. Quando se certifica de que realmente uma
ovelha se perdeu, não dormita. Deixa as noventa e nove no redil, e sai em busca
da ovelha desgarrada. Quanto mais escura e tempestuosa a noite, e quanto mais
perigoso o caminho, tanto maior é a apreensão do pastor e tanto mais
diligentemente a procura. Faz todos os esforços possíveis para encontrar a
ovelha perdida.
Com que alívio ouve a distância
o primeiro fraco balido! Seguindo o som, sobe às mais íngremes alturas, chega,
com o perigo da própria vida, até à borda do precipício. Deste modo procura,
enquanto o balido mais e mais fraco lhe diz que a ovelha está prestes a
sucumbir. Por fim seu esforço é recompensado; achou a perdida. Não a repreende
por lhe haver causado tanta fadiga; não a bate com chicote, nem tenta guiá-la
para casa. Em sua alegria toma sobre os ombros a criatura trêmula; se está
magoada, acolhe-a nos braços, e aperta-a de encontro ao peito para que o calor
de seu próprio coração lhe comunique vida. Jubiloso porque sua diligência não
foi em vão, carrega-a de volta ao redil.
Graças a Deus, Ele não nos
apresentou à imaginação o quadro de um pastor aflito, voltando sem a ovelha. A
parábola não fala de fracasso, mas de êxito e alegria pela recuperação. Eis a
garantia divina, de que nenhuma das ovelhas extraviadas do redil de Deus é desprezada,
nem abandonada sem socorro. Cristo salvará a cada um que se queira deixar
redimir do abismo da corrupção e dos espinheiros do pecado.
Alma abatida, anime-se, embora
tendo procedido impiamente. Não pense que Deus talvez lhe perdoe as
transgressões e permita ir à Sua presença. Deus deu o primeiro passo. Enquanto
você estava em rebelião contra Ele, saiu a sua procura. Com o terno coração de
Pastor, deixou as noventa e nove e foi ao deserto para buscar a que se perdera.
Envolve em Seus braços de amor a alma ferida e quebrantada, prestes a perecer e
leva-a com alegria ao aprisco seguro.
Os judeus ensinavam que o pecador devia arrepender-se antes de lhe
ser oferecido o amor de Deus. A seu parecer, o arrependimento é obra pela qual
os homens ganham o favor do Céu. Foi esse pensamento que induziu os fariseus
atônitos e irados a exclamarem: "Este recebe pecadores." Lucas 15:2.
Conforme sua suposição, não devia permitir que pessoa alguma a Ele se achegasse
sem se ter arrependido. Mas na parábola da ovelha perdida, Cristo ensina que a
salvação não é alcançada por procurarmos a Deus, mas porque Deus nos procura.
"Não há ninguém que entenda; não há ninguém que busque a Deus. Todos se
extraviaram." Romanos 3:11 e 12. Não nos arrependemos para que Deus nos
ame, porém Ele nos revela Seu amor para que nos arrependamos.
Quando a ovelha extraviada é
recolhida afinal, o júbilo do pastor se exprime em cânticos melodiosos de
regozijo. Convoca seus amigos e vizinhos e lhes diz: "Alegrai-vos comigo,
porque já achei a minha ovelha perdida." Lucas 15:6. Igualmente o Céu e a
Terra unem-se em ações de graças e júbilo quando um pecador é achado pelo
grande Pastor de ovelhas.
"Assim haverá alegria no
Céu por um pecador que se arrepende, mais do que por noventa e nove justos que
não necessitam de arrependimento." Lucas 15:7. Vós, fariseus, disse
Cristo, vos considerais os favoritos do Céu. Julgai-vos seguros na vossa
própria justiça. Sabei, pois, que se não necessitais de arrependimento, Minha
missão não é para vós. Estas pobres almas que sentem sua destituição e
pecaminosidade, são justamente aquelas, para cuja salvação Eu vim. Os anjos
celestiais estão interessados nos perdidos que desprezais. Murmurais e zombais
quando uma dessas almas vem a Mim; sabei, porém, que os anjos se regozijam e
nas arcadas celestes ecoa o cântico de triunfo.
Os rabinos tinham um dito, segundo o qual há alegria no Céu,
quando alguém que pecou contra Deus é destruído; contudo Jesus ensinava que a
obra de destruição é estranha a Deus. Aquilo em que todo o Céu se compraz é a
restauração da imagem de Deus nos homens por Ele criados.
Quando alguém que vagou longe
no pecado procura voltar para Deus, encontrará suspeita e crítica. Há os que
duvidarão de que o arrependimento seja genuíno, ou insinuarão: "Ele não
tem estabilidade; não creio que resista." Tais pessoas não fazem a obra de
Deus, porém a de Satanás, que é o acusador dos irmãos. Por suas críticas, o
maligno espera desencorajá-las, afastá-las ainda mais da esperança e de Deus.
Contemple o pecador arrependido a alegria do Céu pela volta daquele que se
perdera. Confie no amor de Deus e não desanime de maneira alguma pelo escárnio
e suspeita dos fariseus.
Os rabinos compreendiam que a
parábola de Cristo se aplicava aos publicanos e pecadores; mas tinha uma
significação mais ampla. Cristo representava pela ovelha perdida, não somente o
pecador individual, mas o mundo que apostatou e se arruinou pelo pecado. Este
mundo é apenas um átomo no vasto domínio sobre que Deus preside; contudo este
pequeno mundo perdido - a única ovelha extraviada - é mais precioso a Seus
olhos, que as noventa e nove que não se desviaram do redil. Cristo, o amado
Comandante das cortes celestiais, desceu de Sua alta posição, depôs a glória
que possuía junto ao Pai, para salvar o único mundo perdido. Por este, deixou
os mundos sem pecado nas alturas, os noventa e nove que O amavam, e veio à
Terra para ser "ferido pelas nossas transgressões e moído pelas nossas
iniqüidades". Isa. 53:5. Deus Se entregou a Si mesmo em Seu Filho, para
que tivesse a alegria de recuperar a ovelha que se perdera.
"Vede quão grande caridade nos tem concedido o Pai: que
fôssemos chamados filhos de Deus." I João 3:1. E Cristo diz: "Assim
como Tu Me enviaste ao mundo, também Eu os enviei ao mundo" (João 17:18),
para que cumpram "o resto das aflições de Cristo, pelo Seu corpo, que é a
igreja". Colossenses 1:24. Todo pecador que Cristo salvou, é chamado a
atuar em Seu nome pela salvação dos perdidos. Essa obra fora negligenciada em
Israel. Não é também hoje negligenciada pelos que professam ser seguidores de
Cristo?
Quantos afastados, caro leitor,
procuraste e trouxeste ao redil? Reconheces que desprezas os que Cristo
procura, quando te desvias dos que parecem pouco promissores e não atraentes?
Justamente no momento em que te esquivas deles, podem carecer muito de tua
compaixão. Em toda assembléia de culto, há os que anseiam descanso e paz. Podem
parecer como se vivessem indiferentemente, mas não são insensíveis à influência
do Espírito Santo. Muitos deles podem ser ganhos para Cristo.
Se a ovelha perdida não é
trazida ao aprisco, vagueia até perecer. E muitas almas descem à ruína pela
falta de uma mão estendida para salvá-las. Estes errantes podem aparentar ser
endurecidos e indiferentes, mas se tivessem tido os mesmos privilégios que
outros, poderiam ter revelado muito maior nobreza de caráter e maior talento
para utilidade. Os anjos se compadecem desses errantes. Eles choram, enquanto
os olhos humanos estão enxutos e os corações cerrados à compaixão.
Oh, que falta de profunda e tocante simpatia pelos tentados e
errantes! Oh, se houvesse mais do espírito de Cristo e menos, muito menos do
próprio eu!
Os fariseus entenderam a
parábola de Cristo como uma repreensão a eles feita. Em vez de aceitar a
crítica de Sua obra, reprovou-lhes a negligência dos publicanos e pecadores.
Não o fez abertamente, para que contra Ele não cerrassem o coração; todavia a
ilustração lhes apresentava justamente a obra que Deus deles exigia e tinham
deixado de executar. Se fossem verdadeiros pastores, esses guias de Israel
teriam efetuado a obra de um pastor. Teriam manifestado a misericórdia e amor
de Cristo, e ter-se-iam unido a Ele em Sua missão. Sua recusa de fazê-lo
demonstrou a falsidade de sua pretensa piedade. Muitos rejeitaram, então, a
reprovação de Cristo; mas alguns se convenceram por Suas palavras. Sobre estes
veio o Espírito Santo, depois de Sua ascensão, e uniram-se aos discípulos na
mesma obra esboçada na parábola da ovelha perdida.
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