Na parábola do rico e Lázaro, Cristo mostra que
nesta vida os homens decidem seu destino eterno. Durante o tempo da graça de
Deus, esta é oferecida a toda a humanidade. Mas, se os homens desperdiçam as
oportunidades na satisfação própria, afastam-se da vida eterna. Não lhes será
concedida nova oportunidade. Por sua própria escolha cavaram entre eles e Deus
um abismo intransponível.
Essa parábola traça um
contraste entre o rico que não confiara em Deus e o pobre que nEle depositara
confiança. Cristo mostra que se está aproximando o tempo em que a posição das
duas classes será invertida. Os que, embora pobres nos bens deste mundo confiam
em Deus e são pacientes no sofrimento, um dia serão exaltados sobre os que
agora ocupam as mais elevadas posições que o mundo pode dar, mas não submeteram
sua vida a Deus.
"Ora, havia um
homem rico", disse Cristo, "e vestia-se de púrpura e de linho finíssimo,
e vivia todos os dias regalada e esplendidamente. Havia também um certo
mendigo, chamado Lázaro, que jazia cheio de chagas à porta daquele. E desejava
alimentar-se com as migalhas que caíam da mesa do rico." Lucas 16:19-21.
O rico não pertencia à classe representada pelo
juiz injusto, que declarava abertamente seu desrespeito a Deus e ao homem.
Professava ser filho de Abraão. Não maltratava o mendigo nem exigia que se
retirasse porque sua aparência lhe era repugnante. Se este pobre e asqueroso
espécime da humanidade era confortado por contemplá-lo ao passar os portais, o
rico consentia que lá permanecesse. Mas era de forma egoísta indiferente às
necessidades de seu irmão sofredor.
Não havia então
hospitais onde os enfermos pudessem ser cuidados. Os sofredores e necessitados
eram trazidos ao conhecimento daqueles a quem Deus confiara riquezas, para que
deles recebessem auxílio e simpatia. Assim se dava com o mendigo e o rico.
Lázaro estava em grande necessidade, pois não tinha amigos, casa, dinheiro, nem
alimento. Contudo era deixado ficar nesse estado dia após dia, enquanto toda
necessidade do nobre rico era suprida. Ele, a quem seria tão fácil aliviar os
sofrimentos de seu próximo, vivia para si mesmo, como o fazem muitos hoje em
dia.
Hoje, em nossa
vizinhança, muitos há famintos, nus e sem teto. Se negligenciarmos repartir
nossos meios com esses necessitados e sofredores, pomos sobre nós um fardo de
culpa, que um dia temeremos enfrentar. Toda avareza é condenada como idolatria.
Toda condescendência egoísta é aos olhos de Deus uma ofensa.
Deus fizera do rico um
mordomo de Seus meios, com a obrigação de atender justamente a casos tais como
o do mendigo. Fora dada a ordem: "Amarás, pois, o Senhor, teu Deus, de
todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu poder"
(Deuteronômio 6:5); e "amarás o teu próximo como a ti mesmo".
Levítico 19:18.
O rico era judeu, e como tal conhecia os
mandamentos de Deus. Esqueceu, porém, que teria que prestar contas pelo uso dos
meios e capacidades a ele concedidos. As bênçãos do Senhor sobre ele repousavam
abundantemente, mas as empregou de forma egoísta para a própria honra e não de
seu Criador. Proporcional à abundância era a sua obrigação de usar as dádivas
para erguer a humanidade. Este era o mandamento do Senhor. Mas o rico não
pensara na obrigação para com Deus. Emprestava dinheiro e recebia juros do
mesmo, mas não devolvia juros do que Deus lhe emprestara. Possuía conhecimento
e talentos, mas não os aperfeiçoava. Esquecendo sua responsabilidade para com
Deus, devotara todas as energias ao prazer. Tudo de que era rodeado, o círculo
de divertimentos, os louvores e lisonjas de seus amigos, lhe satisfazia o
prazer egoísta. Tão enlevado estava na companhia dos amigos, que perdeu todo o
senso da responsabilidade de cooperar com Deus em Seu ministério de
misericórdia. Tinha oportunidade de compreender a Palavra de Deus e praticar
seus ensinos, mas a sociedade amante de prazeres que escolhera lhe ocupava
tanto o tempo, que esqueceu o Deus da eternidade.
Veio o tempo em que se
deu uma mudança na condição dos dois homens. O pobre sofrera dia após dia,
porém suportara com paciência e tranqüilidade. Afinal morreu e foi sepultado.
Ninguém por ele chorou, porém testemunhara de Cristo pela paciência no
sofrimento, suportara a prova de sua fé, e na morte nos é representado como
havendo sido levado pelos anjos ao seio de Abraão.
Lázaro representa o
pobre sofredor que crê em Cristo. Quando a trombeta soar e todos os que estão
nas sepulturas ouvirem a voz de Cristo e ressurgirem, receberão a recompensa;
pois sua fé em Deus não era mera teoria, mas realidade.
"E morreu também o rico e foi sepultado. E,
no Hades, ergueu os olhos, estando em tormentos, e viu ao longe Abraão e
Lázaro, no seu seio. E, clamando, disse: Abraão, meu pai, tem misericórdia de
mim e manda a Lázaro que molhe na água a ponta do seu dedo e me refresque a
língua, porque estou atormentado nesta chama." Lucas 16:22-24.
Nesta parábola Cristo Se
acercava do povo no próprio terreno deles. A doutrina de um estado consciente
de existência entre a morte e a ressurreição era mantida por muitos dos que
ouviam as palavras de Cristo. O Salvador lhes conhecia as idéias e compôs Sua
parábola de modo a inculcar verdades importantes em lugar dessas opiniões
preconcebidas. Apresentou aos ouvintes um espelho em que se pudessem ver em sua
verdadeira relação para com Deus. Usou a opinião predominante para exprimir a
idéia de que desejava todos ficassem imbuídos, isto é, que nenhum homem é apreciado
por suas posses; porque tudo que lhe pertence é unicamente emprestado por Deus.
O mau emprego destas dádivas colocá-lo-á abaixo dos mais pobres e afligidos que
amam a Deus, e nEle confiam.
Cristo desejava que Seus
ouvintes compreendessem a impossibilidade do homem assegurar-se a salvação da
alma depois da morte. Abraão é apresentado como a responder: "Filho,
lembra-te de que recebeste os teus bens em tua vida, e Lázaro, somente males;
e, agora, este é consolado, e tu, atormentado. E, além disso, está posto um
grande abismo entre nós e vós, de sorte que os que quisessem passar daqui para
vós não poderiam, nem tampouco os de lá, passar para cá." Lucas 16:25 e
26. Deste modo Cristo mostra a completa falta de esperança em aguardar uma
segunda oportunidade. Esta vida é o único tempo dado ao homem para preparar-se
para a eternidade.
O rico não abandonara a
crença de ser filho de Abraão, e em sua aflição é apresentado como a pedir-lhe
socorro.
"Abraão, meu pai", orou ele, "tem
misericórdia de mim." Lucas 16:24. Não orou a Deus, mas a Abraão. Assim
mostrava que colocava Abraão acima de Deus, e confiava na salvação pelo
parentesco com ele. O ladrão na cruz endereçou sua oração a Cristo.
"Senhor, lembra-Te de mim, quando entrares no Teu reino" (Lucas 23:42),
disse ele, e imediatamente veio a resposta: Na verdade, na verdade te digo hoje
(quando estou suspenso na cruz, em humilhação e sofrimento), estarás comigo no
Paraíso. O rico, porém, orou a Abraão, e sua petição não foi atendida. Cristo
somente está exaltado a "Príncipe e Salvador, para dar a Israel o
arrependimento e remissão dos pecados". Atos 5:31. "E em nenhum outro
há salvação." Atos 4:12.
O rico passara a vida em
complacência própria, e demasiado tarde viu que não fizera provisão para a
eternidade. Reconheceu sua loucura, e pensou nos irmãos que como ele
procederiam, vivendo para se comprazerem. Suplicou, então: "Rogo-te, pois,
ó pai, que o mandes [Lázaro] à casa de meu pai, pois tenho cinco irmãos, para
que lhes dê testemunho, a fim de que não venham para este lugar de
tormento." Mas "disse-lhe Abraão: Eles têm Moisés e os profetas;
ouçam-nos. E disse ele: Não, Abraão, meu pai; mas, se algum dos mortos fosse
ter com eles, arrepender-se-iam. Porém Abraão lhe disse: Se não ouvem a Moisés
e aos profetas, tampouco acreditarão, ainda que algum dos mortos
ressuscite." Lucas 16:27-31.
Quando o rico solicitava
evidência adicional para seus irmãos foi-lhe dito claramente que mesmo que esta
evidência fosse dada, não seriam persuadidos. Seu pedido lançava uma injúria a
Deus. Era como se o rico dissesse: Se me tivesses advertido mais cabalmente, eu
não estaria aqui agora. Por sua resposta, Abraão é apresentado como a dizer:
Teus irmãos têm sido suficientemente advertidos. Foi-lhes dada luz, porém não
quiseram ver; foi-lhes apresentada a verdade, porém não quiseram ouvir.
"Se não ouvem a Moisés e aos profetas, tampouco acreditarão, ainda que
algum dos mortos ressuscite." Lucas 16:31. Essas palavras demonstraram-se
verdadeiras na história da nação judaica. O último e mais importante milagre de
Cristo foi a ressurreição de Lázaro de Betânia, após estar morto quatro dias.
Aos judeus foi concedida esta maravilhosa demonstração da divindade do
Salvador, mas rejeitaram-na. Lázaro ressurgiu dentre os mortos e
apresentou-lhes seu testemunho, porém eles empederniram o coração contra toda
evidência, e até tentavam tirar-lhe a vida. João 12:9-11.
A lei e os profetas são os meios designados por
Deus para a salvação dos homens. Cristo disse: Atentem para estas evidências.
Se não ouvem a voz de Deus em Sua Palavra, o testemunho de alguém que se
levantasse dentre os mortos não seria atendido.
Aqueles que ouvem a
Moisés e aos profetas não requererão maior luz que a que Deus deu; mas se os
homens rejeitam a luz e deixam de apreciar as oportunidades a eles
proporcionadas, não escutariam alguém que, dentre os mortos, se lhes acercasse
com uma mensagem. Não seriam convencidos nem por esta evidência; porque os que
rejeitam a lei e os profetas, endurecem o coração, ao ponto de repelir toda a
luz.
A conversação entre
Abraão e o homem outrora rico é figurativa. A lição a ser tirada dela é que a
todo homem é dada suficiente luz para o desempenho dos deveres dele exigidos.
As responsabilidades do homem são proporcionais às suas oportunidades e
privilégios. Deus outorga a todos luz e graça suficientes para executar a obra
que lhes deu para fazer. Se o homem deixar de fazer o que uma pequena luz mostra
ser seu dever, maior luz somente revelaria infidelidade e negligência no
aperfeiçoamento das bênçãos concedidas. "Quem é fiel no mínimo também é
fiel no muito; quem é injusto no mínimo também é injusto no muito." Lucas
16:10. Quem recusa ser iluminado por Moisés e pelos profetas, e pede a execução
de algum milagre maravilhoso, não seria persuadido se seu desejo se cumprisse.
A parábola do rico e Lázaro mostra como são
avaliadas as duas classes representadas por estes homens no mundo invisível.
Não é pecado ser rico, se a riqueza não for alcançada por injustiça. Um rico
não é condenado por possuir riquezas; mas a condenação sobre ele paira se os
meios a ele confiados forem despendidos de forma egoísta. Muito melhor faria,
se depositasse seu dinheiro ao lado do trono de Deus, usando-o para fazer o
bem. A morte não empobrecerá ninguém que assim se devote a procurar riquezas
eternas. Mas, o homem que acumula dinheiro para si, nada poderá levar aos Céus;
demonstrou-se um mordomo infiel. Durante a vida teve boas coisas; mas
esqueceu-se do dever para com Deus; deixou de assegurar-se o tesouro celeste.
O rico que teve tantos
privilégios nos é apresentado como alguém que deveria haver cultivado seus dons
de modo que suas obras atingissem o grande além, levando consigo as
aperfeiçoadas vantagens espirituais. É propósito da redenção não somente
extirpar o pecado, mas restituir ao homem os dons espirituais perdidos pelo
poder atrofiante do pecado. Dinheiro não pode ser introduzido na vida futura;
ele não é necessário lá; mas as boas obras feitas para conquistar almas para
Cristo, são levadas às mansões celestes. Mas os que desperdiçam de forma
egoísta as dádivas do Senhor, que deixam seus semelhantes sem auxílio, e nada
fazem para a promoção da obra de Deus neste mundo, desonram seu Criador. Roubo
a Deus está escrito junto a seus nomes nos livros do Céu.
O rico tinha tudo quanto podia ser adquirido por
dinheiro; mas não as riquezas que teriam conservado sua conta justa com Deus.
Vivera como se tudo quanto possuía lhe pertencesse. Desdenhou o apelo de Deus e
o clamor do pobre sofredor. Mas finalmente lhe chega um convite a que não pode
deixar de atender. Por um poder que não pode questionar nem resistir, lhe é
ordenado que entregue os bens de que não será mais mordomo. O homem que fora
rico está reduzido a uma pobreza desesperadora. As vestes da justiça de Cristo,
tecidas no tear do Céu, jamais podem cobri-lo. Ele, que uma vez usara a mais
rica púrpura, o mais fino linho, está reduzido à nudez. Sua oportunidade
findou. Nada trouxe ao mundo, e nada pode levar dele.
Cristo levantou a
cortina e apresentou este quadro aos sacerdotes e maiorais, escribas e
fariseus. Olhai-o vós que sois ricos nos bens deste mundo, e não sois ricos
para com Deus. Não quereis contemplar esta cena? O que é mais estimável entre
os homens é abominável à vista de Deus. Cristo diz: "Pois que aproveitaria
ao homem ganhar todo o mundo e perder a sua alma? Ou que daria o homem pelo
resgate da sua alma?" Marcos 8:36 e 37.
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