Por entre as trevas que baixaram à Terra durante
o longo período da supremacia papal, a luz da verdade não poderia ficar
inteiramente extinta. Em cada época houve testemunhas de Deus - homens que
acalentavam fé em Cristo como único mediador entre Deus e o homem, que
mantinham a Escritura Sagrada como a única regra de vida, e santificavam o
verdadeiro sábado. Quanto o mundo deve a estes homens, a posteridade jamais
saberá. Foram estigmatizados como hereges, impugnados os seus motivos,
criticado o seu caráter, e suprimidos, difamados ou mutilados os seus escritos.
No entanto, permaneceram firmes, e de século em século mantiveram a fé em sua
pureza, como sagrado legado às gerações vindouras.
Tremenda tem sido a
oposição suscitada sobre a Bíblia, desde os tempos em que havia pouquíssimos
exemplares em existência; mas Deus não consentira que Sua Palavra fosse
totalmente destruída. Suas verdades não deviam estar ocultas para sempre. Tão
facilmente poderia Ele desacorrentar as palavras da vida como abrir portas de
prisões e desaferrolhar portais de ferro para pôr em liberdade os Seus servos.
Nos vários países da Europa, homens eram movidos pelo Espírito de Deus a buscar
a verdade como a tesouros escondidos. Providencialmente guiados às Santas
Escrituras, estudavam as páginas sagradas com interesse profundo. Estavam
dispostos a aceitar a luz, a qualquer custo. Posto que não vissem todas as
coisas claramente, puderam divisar muitas verdades havia muito sepultadas. Como
mensageiros enviados pelo Céu, saíam, rompendo as cadeias do erro e da
superstição e chamando os que haviam estado durante tanto tempo escravizados, a
levantar-se e assegurar sua liberdade.
Chegara, porém, o tempo para que as Escrituras
fossem traduzidas e entregues ao povo dos vários países em sua língua materna.
Passara para o mundo a meia-noite. As horas de trevas estavam a se escoar, e em
muitas terras apareciam indícios da aurora a despontar.
A Estrela da Manhã da
Reforma
No século catorze,
surgiu na Inglaterra "a estrela da manhã da Reforma". João Wycliffe
foi o arauto da Reforma, não somente para a Inglaterra mas para toda a
cristandade. Ele foi o pai dos Puritanos; sua aparição foi como um oásis no
deserto.
O Senhor decidiu confiar
o trabalho de reforma a alguém cuja habilidade intelectual daria caráter e
dignidade a seus labores. Isso silenciaria a voz do desprezo, e impediria que
os adversários da verdade tentassem lançar o descrédito sobre a causa, ridicularizando
a ignorância de seus advogados. Quando Wycliffe completou seu aprendizado nas
escolas, lançou-se ao estudo das Escrituras. Nelas encontrou o que antes havia
em vão procurado. Ali viu revelado o plano da redenção, e Cristo apresentado
como único advogado do homem. Viu que Roma abandonara o caminho bíblico por
tradições humanas. Entregou-se ao serviço de Cristo e decidiu-se a proclamar as
verdades que havia descoberto.
O maior trabalho de sua
vida foi a tradução das Escrituras para a língua inglesa. Esta foi a primeira
tradução inglesa completa. Sendo ainda desconhecida a arte de imprimir, era
unicamente por trabalho moroso e fatigante que se podiam multiplicar os
exemplares da Escritura Sagrada; ainda assim isto era feito, e o povo da
Inglaterra recebeu a Bíblia em seu próprio idioma. Dessa maneira, a luz da
Palavra de Deus começou a expandir seus raios brilhantes através da escuridão.
A divina mão estava a preparar o caminho para a Grande Reforma.
O apelo à razão humana arrancou-os de sua
passiva submissão aos dogmas papais. As Escrituras foram recebidas com alegria
pela classe elevada, a única que, na época, possuía o conhecimento das letras.
Wycliffe então ensinava as distintas doutrinas do Protestantismo - salvação
pela fé em Cristo e a exclusiva infalibilidade das Escrituras. Muitos
sacerdotes a ele se uniram em fazer circular a Bíblia e na pregação do
evangelho; tão grandes foram os efeitos desse trabalho e dos escritos de
Wycliffe que a nova fé foi aceita por quase metade do povo da Inglaterra. O
reino das trevas estremeceu.
O esforço dos inimigos
para deter sua obra e destruir sua vida foi igualmente malsucedido e aos
sessenta e um anos ele morreu em paz, quando ia ministrar no altar.
A Reforma se Espalha
Foi mediante os escritos
de Wycliffe que João Huss, da Boêmia, foi levado a renunciar a muitos dos erros
do catolicismo, e entrar na obra da Reforma. Como Wycliffe, Huss era um nobre
cristão, homem de entendimento e de inabalável devoção à verdade. Seus apelos
em favor das Escrituras e as vigorosas denúncias da vida escandalosa e imoral
do clero despertaram um amplo interesse, e milhares aceitaram alegremente uma
fé mais pura. Isso provocou a ira do papa e dos prelados, sacerdotes e frades,
e Huss foi convocado a comparecer diante do Concílio de Constança para
responder à acusação de heresia. Um salvo-conduto foi-lhe dado pelo imperador
germânico, e quando de sua chegada a Constança, foi pessoalmente certificado
pelo papa de que nenhuma injustiça seria cometida contra ele.
Depois de um longo julgamento, durante o qual
sustentou a verdade, foi exigido que Huss escolhesse entre retratar-se de suas
doutrinas ou sofrer a morte. Escolheu o destino de mártir, e depois de ver seus
livros serem entregues às chamas, foi ele próprio queimado numa estaca. Na
presença de dignitários da igreja e do Estado, o servo de Deus expressou um
solene e fiel protesto contra a corrupção da hierarquia papal. Sua execução,
uma vergonhosa violação de uma solene e pública promessa de proteção, exibiu
para o mundo inteiro a pérfida crueldade de Roma. Os inimigos da verdade,
embora não o soubessem, estavam favorecendo a causa que procuravam em vão
destruir.
Não obstante a fúria da
perseguição, um calmo, devoto, fervoroso e paciente protesto contra a
prevalecente corrupção da fé religiosa continuou a ser apresentado após a morte
de Wycliffe. Assim como os crentes dos dias apostólicos, muitos sacrificaram
livremente suas posses terrenas pela causa de Cristo.
Esforços extremos foram
realizados para fortalecer e estender o poder do papado. Porém, enquanto os
papas afirmavam ser representantes de Cristo, suas vidas eram tão corrompidas
que desgostavam o povo. Pela ajuda da invenção da imprensa, as Escrituras
tiveram maior circulação, e muitos foram levados a ver que as doutrinas papais
não eram apoiadas pela Palavra de Deus.
Quando uma testemunha
era forçada a fazer tombar a tocha da verdade, outra estendia a sua mão e, com
intrépida coragem, erguia-a no alto. A luta que se abriu, resultou na
emancipação, não apenas de indivíduos e igrejas, mas de nações. Através do
abismo de cem anos, homens estenderam suas mãos para agarrar as mãos dos
lolardos no tempo de Wycliffe. Com Lutero começou a Reforma na Alemanha;
Calvino pregou o evangelho na França e Zwínglio na Suíça. O mundo foi
despertado de um sono de séculos, enquanto de terra em terra soavam as mágicas
palavras: "Liberdade Religiosa."
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